Página inicialPensar as comemorações como espaços de práticas ritualizadas no cruzamento de uma abordagem histórica e antropológica
Pensar as comemorações como espaços de práticas ritualizadas no cruzamento de uma abordagem histórica e antropológica
Penser les commémorations comme des espaces de pratiques ritualisées au croisement d’une approche historique et anthropologique
Thinking commemorations as espaces for ritual practices combining both historical and anthropological approaches
Publicado vendredi, 23 de juin de 2017
Resumo
Cet argumentaire concerne la tenue au mois de janvier 2018 d'un colloque autour des pratiques commémoratives au sein des espaces dits lusophones.
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Apresentação
As comemorações públicas em contexto não-europeu são dispositivos políticos e culturais através dos quais se exprimem formas gestuais e enunciativas de género particular. Elas são instrumentos de ações onde política e religião se encontram frequentemente intrincadas. As comemorações públicas constituem, igualmente, fermentos de socializações e de encenações artificiais das práticas processuais, onde a operatividade relacional do gesto comemorativo se atualiza sob os olhos do seu próprio público. Deste ponto de vista, a pertinência de uma reflexão descentrada, histórica e ontológica se impõe como postura metodológica necessária para interrogar e dar conta da diversidade das ações políticas, religiosas, comemorativas e cerimoniais, tomando forma de práticas descoloniais ritualizadas. Tais práticas foram observadas no Brasil através do prisma de métodos que portam notadamente sobre os movimentos religiosos de reestruturação cultural no seio dos contextos coloniais e pós-coloniais (De Queiroz: 1957, 1968; Clastres: 1976; Fausto: 1992; Viveiros de Castro: 1993; Capone:1999; Pompa: 2003; Vainfas: 2005).
É então a partir de investigações circunscritas aos espaços ditos lusófonos (Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Timor Oriental) que desejamos documentar as similitudes e as diferenças processuais que se observam no seio dessas práticas. Citemos a título meramente exemplificativo, as comemorações do 15 de março de 1961 e os conflitos de representação das religiões no teatro político em Angola (De Oliveira: 2013); as expressões políticas, religiosas e comemorativas das místicas entre os diversos movimentos sócio-religiosos no Brasil, as controversas comemorativas do 13 de maio em torno da abolição da escravatura no Brasil (José Domingues: 2011) ou bem ainda, a implicação cidadã dos aderentes de Umbanda. Outras exemplos incluem as comemorações da independência da Guiné-Bissau, obtida a 24 de setembro de 1974; a produção do entusiasmo cívico pelo viés de ações cerimoniais no seio do espaço público, aquando da independência de Cabo Verde obtida a 5 de julho de 1975; a construção retórica do mito do homem novo em Moçambique (Feijó: 2009; Cahen: 1985) ; ou a promessa cívica de uma utopia socialista alimentada com a celebração da independência de São Tomé e Príncipe, celebrada a 12 de julho de 1975 (Seibert: 2002).
Este colóquio visa interrogar os regimes de historicidades próprios às práticas ‘descoloniais’ ritualizadas, entendidas aqui como formas ou processos celebratórios que subvertem e põem em causa as visões hegemónicas de viés eurocêntricas impostas ou legadas pelas historicidades do colonialismo. O colóquio reunirá etnólogos, historiadores, assim como outros investigadores e investigadoras que desejam associar a este campo temático, com o objetivo de fazer um diagnóstico das ferramentas e sondar os métodos, providos pelo cruzamento da etnologia e da história no seio dos espaços ditos lusófonos. Essas ferramentas e métodos nos aparecem disseminados no tempo, como que não comunicando entre si. Desejaríamos então, no quadro de uma reflexão epistemológica a propósito desses assuntos, cernar as especificidades e os seus aportes dialógicos tácitos.
Os imaginários, lugares e objetos de governanças políticas (Balandier: 1980; Ortemberg: 2012), participam da performatividade dessas formas cerimoniais e comemorativas. Desde logo, o que interessa para esse colóquio, é o modo como essas formas cerimoniais constituem espaços de formação de corpos ativos agindo. Esta atividade corporal decorre da própria atividade cerimonial (Houseman: 2012) e detém como principal caraterística devolver o coletivo presente a si mesmo (Rancière: 2008). Assim, os eixos gestuais, enunciativos e figurativos das formas cerimoniais são, todos eles, pontos de ancoragem que podem acolher os termos deste questionamento, numa perspetiva que não seja aquela, atributiva, de uma função identitária (Beniza: 2017). Pois, esta viria impedir de descortinar com devida minúcia os mecanismos e as estruturações gestuais, discursivas e objetais que recobrem esses espaços cerimoniais e a excluir os esquemas de ações e de pensamento ontológicos e historicamente multi-situados que, por conseguinte, se atualizam através deles. Ademais, as identidades coletivas estão sempre, do ponto de vista interaccionista, em constante renovação (Capone: 1999).
Como se exprime o gesto comemorativo em contexto não-europeu? Como e em que condições se transmite? O que é que através dele é significado, ostensivamente designado ou ainda encenado? Faz ele referência à prática cerimonial ela mesma ou serve ele de correia para uma atualização no seio do seu espaço, ou bem ainda, é ele correlativo de uma emoção? Em que medida o gesto comemorativo age, sob qual “condição de felicidade” semiótica? A que género de enunciados ou de modalidades enunciativas está ele associado?
As práticas descoloniais ritualizadas se opõem a uma racionalização acrescida das práticas de poder (Balandier: 1980). O que procuraremos cernar de maneira mais precisa é exatamente como os usos públicos da história, os mitos, a encenação da memória e as imagens são representadas através de ações comemorativas, para fins de emancipação ou de administração da política, no seio dos espaços coloniais e pós-coloniais. Igualmente, procuraremos interrogar o caráter construído desse tipo de práticas sobre as quais repousa a relação política (Balandier: 1980) e, sobretudo, documentar através de exemplos etnográficos e historiográficos, os diferentes contornos operatórios das suas ações, dos seus protocolos e dos seus modos de atualização da ordem política (Deloye, Haroche, Hill: 2000). Além disso, desejaríamos sublinhar certos processos inerentes a essas formas de práticas descoloniais, isto é, os mecanismos de desconstrução ou de subversão das formas de imposição política geradoras de desigualdades.
As práticas descoloniais se estendem aos saberes ontologicamente situados ou historicamente engendrados pela epistemologia colonial, através da remanência e transformação de esquemas de ações epistémicas vernaculares. Elas propõem então diferentes perspetivas aos temas dos corpos políticos inerentes aos saberes dos sujeitos inicialmente subalternos (Grosfoguel: 2007; Maldonado-Torres: 2006). Assim, esses sujeitos se tornaram agentes produtores de práticas orientadas para a inversão dos modos de ação e das formas de subjugação provenientes do eurocentrismo colonial (Castro-Gómez, Grosfoguel: 2006; Quijano: 2000).
Deste ponto de vista, o foco deve centrar-se sobre os textos, as imagens (no sentido amplo do termo) ou as ações vernaculares, os “corpos” de enunciação, os “corpos” de ações ou aqueles de figurações (Vernant: 1979, Marin: 1994: Descola: 2016), ou bem ainda sobre as epistemologias que visam subverter os fundamentos do eurocentrismo (Santos: 2006; Maldonado-Torres:2004; Mignolo: 2000). As práticas descoloniais fazem parte de uma ecologia dos saberes (Santos: 2009) que visa considerar a diversidade do mundo.
Então, queríamos sublinhar que a performatividade comemorativa e/ou cerimonial não é unicamente cenográfica, mas também da ordem da linguagem, do gesto, do ambiental (Housseman: 2012) e objetal. Gostaríamos ademais de abrir essas áreas geográficas e linguísticas a práticas similares provenientes de outras regiões do mundo.
Pois, em que medida a repetição dessas práticas cerimoniais asseguram uma continuidade temporal, uma descontinuidade ontológica e fazem história? Como foram elas documentadas através dos tempos? Ao risco de quais efeitos de distorção? São estas e outras questões, às quais este colóquio gostaria de responder.
Ghali Beniza Sari (Escola Prática de Altos Estudos/Instituto dos Mundos Africanos) e Víctor Varela de Barros (Universidade de Coimbra/Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX).
Eixos temáticos visados
- Epistemologia das abordagens etno-históricas no espaço lusófono.
- As práticas descoloniais ritualizadas são elas conjuntas ou constituem elas mesmas alternativas aos processos de formação dos Estados pós-coloniais?
- Comemorações, espaços públicos, protocolos e atividades cerimoniais.
- Comemorações, gestos e enunciações.
- Práticas descoloniais ritualizadas e constituição de coletivos singulares; os exemplos de movimentos sociais.
- Alguns exemplos de práticas descoloniais ritualizadas existentes no mundo.
Modalidade de participação
Os participantes deverão enviar um resumo, de uma página no máximo, sem bibliografia, contendo o título da comunicação, o nome, o sobrenome, a área científica de especialização e a filiação institucional, para o seguinte endereço eletrónico: 20colloquecommemorations18@gmx.com
o mais tardar até o dia 10 de outubro de 2017.
As proposições de comunicação podem ser feitas em francês ou em português.
As respostas aos proponentes das comunicações serão efetuadas no início do mês de novembro, 2017.
Comité científico
- Michel Cahen, LAM/C.N.R.S
- Stéfania Capone, CESOR/C.N.R.S
- António Leão Correia e Silva, Universidade de Cabo Verde/I.C.S, Lisboa
- Michel Houseman, IMAF/E.P.H.E
- Maria Isabel João, Universidade Aberta, Lisboa
- Maria Manuela Tavares Ribeiro, Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX/Universidade de Coimbra
- Marina Rougeon, Pós-doutoranda em Antropologia, COMOD/Escola Normal Superior de Lyon.
Categorias
- Antropologia (Categoria principal)
- Sociedade > História
Locais
- Paris, França (75)
Datas
- mardi, 10 de octobre de 2017
Ficheiros anexos
Palavras-chave
- pratique décoloniale ritualisée
Contactos
- Ghali Beniza
courriel : benizaghali [at] gmail [dot] com - Victor Barros
courriel : v-barros [at] hotmail [dot] com
Fonte da informação
- Ghali Beniza
courriel : benizaghali [at] gmail [dot] com
Para citar este anúncio
« Pensar as comemorações como espaços de práticas ritualizadas no cruzamento de uma abordagem histórica e antropológica », Chamada de trabalhos, Calenda, Publicado vendredi, 23 de juin de 2017, https://calenda-formation.labocleo.org/409984